O
QUE APRENDER COM A CRISE HÍDRICA DE 2014? Marilena Lavorato
Após vivenciarmos um verão atípico, o
mais quente e seco em sete décadas, São
Paulo, a maior cidade do país e da América do Sul, vive um momento de
crise hídrica que poderá gerar instabilidade social, política e econômica.
Pela primeira vez, a questão ambiental escancara com clareza a fragilidade de
um sistema que não priorizou a água no seu modelo de desenvolvimento, ou
se priorizou, não foi suficiente.
E isto não deve unicamente a
variabilidade do clima, embora seja este um dos fatores principais do processo.
A concentração da população nos grandes centros urbanos gerou uma demanda de
recursos naturais maior do que a capacidade de atendimento do espaço em que
está locada. Isto fez com que a região metropolitana de São Paulo ficasse
dependente da importação de recursos de outras localidades, que é o caso da
água.
Crescemos ouvindo que o Brasil era um
país rico em recursos naturais e com muita água. Só que não falaram que os
grandes centros estavam longe das grandes reservas. Esta visão superficial e
simplista criou uma cultura despreocupada da população em relação a estas
questões. Com raras exceções, o cidadão médio da cidade de São Paulo não
percebeu que o Sistema Cantareira, que abastece aproximadamente 45% da região
metropolitana já vinha dando sinais de esgotamento nos últimos três anos. Em
2011, na época das chuvas, o reservatório estava com mais 90% da sua
capacidade, mas nos anos seguintes já começava a apresentar indicadores
preocupantes, e em 2014 o indicador apresentado foi e é alarmante.
Para se ter uma ideia, em janeiro de
2011, o índice de armazenamento do Sistema Cantareira foi em torno de 94,3%; em
2012, 74,8%; em 2013, 52,3%. Já em janeiro deste ano o nível estava em 22,9%, e
domingo foi de 12,1%. Neste período, houve queda em todos os anos, e mais
acentuada a cada novo ano. De janeiro a abril deste ano houve queda aproximada
de 10%.
Segundo o comitê anti-crise, formado
pela Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Águas e Energia
Elétrica (Daee) e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp), a previsão é de que o sistema esgotará pela primeira vez em junho, se
nada for feito. Trata-se de uma estiagem bem mais severa do que a pior já
registrada na história, em 1953. Desde janeiro deste ano, a quantidade de água
que entrou nos reservatórios do Sistema Cantareira corresponde a 15% da média
histórica. Em 1953, o pior índice foi o de janeiro: 39%.
Volume
morto: a reserva estratégica do sistema
Entre as alternativas emergenciais
para evitar um racionamento generalizado está o uso do “volume morto”, que
antes era tratado como eventual e agora tornou-se inevitável para evitar um
racionamento generalizado. O “volume morto” trata-se de cerca de 400 bilhões de
litros que ficam no fundo dos reservatórios, uma reserva estratégica nunca
utilizada. A Sabesp informou que iniciará a operação em maio, dois meses antes
do possível fim do “volume útil”, que é a quantidade represada acima do nível
das bombas.
E porque chegamos a este momento
crítico? Pergunta simples com resposta complexa. Existe a variabilidade normal
do clima; os impactos das mudanças climáticas; o aumento desorganizado do
consumo pressionado pelo crescimento urbano acelerado da região metropolitana;
a alta temperatura do verão mais quente e mais seco das últimas sete décadas; a
falta de consciência da população; as perdas de 25% na rede de distribuição (em
Tóquio a perda de água tratada é de 3,6%); a falta de políticas públicas para o
reuso e captação da água da chuva em novos prédios e o incentivo para adoção de
relógios individuais nos novos e antigos prédios; a falta de planejamento e de
investimentos em infraestrutura para construção de novos reservatórios; a
extinção das minas e nascentes nas pequenas propriedades rurais com os
desmatamentos e avanço da agricultura e pecuária; a evaporação da água do
reservatório em épocas quentes; e mais uma dúzia de situações que interferem
neste processo.
Todos estes fatores podem ser citados
e certamente a somatória deles causou a situação atual. Mas um fato que não
pode ser citado é o desconhecimento dos governos responsáveis em relação a
todos estes fatores. A crise hídrica de 2014 é muito mais séria e ampla do que
se pode imaginar. E não poderá ser resolvida apenas com a economia das donas de
casa ou nas condições climáticas. Há outros fatores relevantes neste processo e
que podem afetar inclusive o desenvolvimento do país.”
Conflitos
de interesse
E os problemas não param por aí. A
água que abastece o Sistema Cantareira vem de outras regiões que também estão
sofrendo com a escassez das chuvas. Muitas cidades abrigam grandes empresas que
utilizam a água em seus processos produtivos. Além de afetar o consumo humano,
afetará também a economia local.
A outorga atual do Sistema Cantareira
vence em agosto de 2014 e certamente terá conflitos de interesse na
renegociação. O estado do Rio de Janeiro é contra o projeto de São Paulo de
captar água do rio Paraíba do Sul e levá-la ao Sistema Cantareira. O problema é
que este rio já abastece outras 15 milhões de pessoas na Grande Rio e no
interior paulista. Está em curso um conflito de grande proporção, envolvendo os
dois estados mais ricos da federação e o abastecimento de aproximadamente 15%
da população do país. É ou não é um assunto urgente que traz a tona um
fundamento relevante para o equilíbrio social, político e econômico, e até
então invisível para a maioria da população? A disputa pela água pode chegar
aos tribunais brasileiros.
A Política Nacional de Recursos
Hídricos é de 1997 e nosso principal referencial para a gestão da água no país.
Nela encontramos princípios importantes, como a prioridade do abastecimento
humano e de animais e o incentivo ao uso racional da água. Mas a lei
não esclarece quem tem mais direitos sobre determinada fonte hídrica.
Como podemos concluir, a crise hídrica
de 2014 é muito mais séria e ampla do que se pode imaginar. E não poderá ser
resolvida apenas com a economia das donas de casa (que também é muito
importante e deve ser sempre e não apenas em momentos de crise) ou nas
condições climáticas (que também tem sua variabilidade além da interferência
das mudanças climáticas). Há outros fatores relevantes neste processo e que
podem afetar inclusive o desenvolvimento do país .
A
tangibilidade dos serviços ambientais (*)
E dentro deste contexto de pressão e
emergência, o que podemos extrair de aprendizado? Certamente será a
tangibilidade da importância deste fundamento até então invisível da economia,
da política e da maioria das pessoas. A partir de agora a água não será mais
invisível e fará parte do debate e vivência do cidadão paulista e brasileiro, e
seguramente por um bom tempo – pelo menos até a próxima temporada de chuvas que
se inicia em outubro. E por falar em outubro, lembrei que além do início da
temporada das águas, será também o mês das eleições para novos governantes do
país. Eleições que poderão, sim, sofrer influências dos impactos da gestão
hídrica. Mas até lá muita água vai rolar (desculpe o trocadilho), e será outra
história, outra conversa e certamente outro artigo.
(*) Serviços ambientais são processos
gerados pela natureza através dos ecossistemas, com a finalidade de sustentar a
vida na Terra.
Sobre
o Sistema Cantareira
O Sistema Cantareira trata 33 mil
litros de água por segundo e teve início nos anos 60. Trata-se de um dos
maiores sistemas produtores de água do mundo. As seis represas que compõem o complexo estão em
diferentes níveis e são interligadas por 48 km de túneis para aproveitar os
desníveis e a acumulação de água por gravidade. O Sistema Cantareira abastece
aproximadamente 55% da Região Metropolitana do Estado de São Paulo com
padrões de qualidade superiores aos exigidos pela Organização Mundial de Saúde
(OMS).
Quatro reservatórios dão origem ao
Sistema: o primeiro fica na cidade de Bragança Paulista e é alimentado pelos
rios Jacareí e Jaguari, cujas nascentes estão localizadas em Minas Gerais.
Neste reservatório são armazenadas 22 mil litros de água por segundo; o segundo
reservatório armazena 5 mil litros/segundo do rio Cachoeira de Piracaia; o
terceiro na cidade de Nazaré paulista armazena 4 mil litros/segundo, do Rio
Atibainha; e na cidade de Mairiporã, a quarta barragem tem 2 mil litros/segundo
do Rio Juqueri, formada pela barragem Engenheiro de Paiva Castro, e com nível de
745 metros, é capaz de fornecer 2 mil litros de água por segundo. Existe ainda,
uma represa de segurança a 860 metros e denominada Águas Claras. Caso haja
alguma paralisação, é possível manter o sistema em pleno funcionamento durante
3 horas.
Até aqui, a água percorreu
aproximadamente 48 km através de tubos e canais por gravidade e chega ao pé da
Serra da Cantareira, na Estação Elevatória Santa Inês, onde é elevada por
bombeamento a 120 metros de altura para o Reservatório Artificial de Águas
Claras. Segue então para a Estação de tratamento de Água do Guaraú, onde começa
a ser tratada, produzindo 33 mil litros de água por segundo, para abastecer
cerca de 8,8 milhões de pessoas da Região Metropolitana de São Paulo,
saindo em ótimas condições de consumo.
FONTE: pensamentoverde.com.br
1. Após a leitura do artigo, o grupo deve
levantar* 10 questões relevantes sobre Sustentabilidade e Meio Ambiente,
referente ao tema abordado no mesmo.
Causas, Consequências e
Soluções (possíveis).
2. Qual a opinião* do grupo a respeito do
artigo e como vocês analisam a relação da escassez para o nosso Estado?
*A
análise deve ser feita por todo o grupo. Porém, 3 integrantes apresentarão as
considerações pertinentes aos colegas da sala e à professora. (Avaliativo). O
artigo pode ser dividido em até 3 partes para apresentação.
“Relação
do homem com a natureza pode provocar danos de longo prazo ao meio ambiente e,
também, aos seres humanos.”